ESPECIAL: PETRÔNIO PORTELLA – 100 ANOS (Parte 5)

Por: Assessoria

Teresina - PI

Petrônio Portella em 1977 - Imagem: Reprodução.
Petrônio Portella em 1977 - Imagem: Reprodução.

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A travessia para a democracia

Zózimo Tavares (*)

Abertura, hoje, é uma palavra banal e praticamente esquecida na cena política brasileira. Mas ela já teve um peso fundamental, inquietante e decisivo na vida e no destino do país.

Há 45 anos, o Brasil procurava, a duras penas, sair de uma ditadura militar para uma democracia.

Os militares, que detinham o poder desde 1964, falavam em uma distensão lenta, gradual e segura do regime.

De fato, essa distensão, também chamada de abertura, se processava de forma lenta e gradual, mas não segura.

Havia riscos iminentes de retrocessos, como ocorrera em 1968, quando o regime fechou de vez e o país caiu em uma longa noite de trevas que durou dez anos.

O império do AI-5

É dessa época o Ato Institucional nº 5, o famigerado AI-5, que deu aos militares poderes ilimitados de mandos e desmandos.

Por meio desse Ato Institucional, fora proibida a garantia de habeas corpus em casos de crimes políticos.

Através do AI-5, o governo decretou também o fechamento do Congresso Nacional, pela primeira vez, desde 1937 (Estado Novo).

O Ato autorizou ainda o presidente a decretar estado de sítio por tempo indeterminado, demitir pessoas do serviço público, cassar mandatos, confiscar bens privados e intervir em todos os estados e municípios.

E, finalmente, por meio do AI-5, o regime militar decretou a censura aos meios de comunicação e às artes, além de adotar a tortura como ações comuns.

Queda de braço

Uma década depois da aplicação implacável do AI-5, o Brasil esperneava para respirar liberdade.

Nas ruas, era grande a pressão pela abertura do sistema, que estava dividido.

Uma parte, a liderada então pelo general João Figueiredo, o último presidente militar, era liberalizante e queria devolver o país ao poder civil.

A outra parte, comandada pelo general Sylvio Frota, ex-ministro do Exército, era linha-dura e queria os militares no poder por mais tempo, mandando a qualquer custo.

O clima era de muita tensão, afinal, eram tempos de desconfiança, angústia, revolta e pavor. E de alguma esperança.

A distensão

Foi nesse terreno minado, cheio de lodo, trevas e precipícios, que um brasileiro, o senador Petrônio Portella, se aventurou a movimentar-se teimosamente em busca de luz e terra firme – no caso, a democracia.

E o fazia com invulgar tato, extraordinária habilidade e insuperável desenvoltura política que estava alcançando, uma a uma, as metas planejadas.

Primeiro, ele procurou abrir caminho para a redemocratização como presidente do Congresso Nacional, ainda no governo do general Ernesto Geisel (1974-1979), que iniciou o processo de abertura.

No final do mandato presidencial, estava sepultado o tormentoso AI-5.

O sol da liberdade

Depois de ver enterrado o AI-5, Petrônio Portella ampliava seu raio de ação já como ministro da Justiça, no governo do presidente João Figueiredo (1979-1985).

O general assumiu o poder, em 15 de março de 1979, prometendo fazer do Brasil uma democracia.

Ou seja, o próprio presidente da República reconhecia publicamente, de viva voz, que o país não era democrático.

Petrônio assumiu o papel de coordenador político do governo.

O fim da censura e a anistia

Com pertinácia e determinação, já nos primeiros meses do novo governo, o ministro da Justiça conseguia, através do diálogo, o fim da censura e a aprovação da Lei da Anistia, sancionada pelo presidente em 28 de agosto de 1979.

Com a anistia, 4.650 brasileiros punidos por atos de exceção, desde o início dos governos militares, estavam sendo beneficiados.

Eram pessoas que haviam sido cassadas, banidas, exiladas ou mesmo destituídas de seus empregos públicos.

A anistia trazia de volta ao Brasil dezenas de exilados. Entre eles, estavam Leonel Brizola, Miguel Arraes, Darcy Ribeiro, Márcio Moreira Alves, Luís Carlos Prestes e Fernando Gabeira.

As reformas

O ministro da Justiça tocava também a reforma partidária, pondo fim à camisa de força do bipartidarismo e abrindo caminho para o o retorno do pluripartidarismo.

Daí nasciam, naquela época, o PDS, o PMDB e o PP e, a seguir, o PT, o PTB e, depois, o PDT.

As diferentes correntes de pensamento que se acotovelavam em apenas duas siglas – a Arena governista e o MDB oposicionista – podiam, enfim, defender livremente suas ideias e respirar em outras legendas.

Muitas outras reformas estavam por ser feitas, sob a coordenação do ministro Petrônio Portella, como o restabelecimento das eleições diretas para governador, em 1982.

O silêncio

No dia 4 de janeiro de 1980, porém, ele sentiu-se mal quando visitava Santa Catarina.

Na tarde do dia seguinte, um sábado, após receber atendimento médico de urgência, voltou às pressas para Brasília.

Desembarcou caminhando. Até deu entrevista. Mas estava abatido e muito pálido.

Avaliou, no entanto, que o mal-estar era passageiro e não procurou um hospital. Optou por ser medicado em casa.

Tudo ia relativamente bem quando, na tarde de domingo, o estado de saúde do ministro agravou-se repentinamente.

Ele foi transferido em ambulância para o Hospital Santa Lúcia, às 15h35.

Estava desacordado. Os médicos passaram aproximadamente uma hora tentando reanimá-lo.

A morte do ministro foi anunciada oficialmente no início da noite de 6 de janeiro de 1980.

Sol do meio dia

Acabava ali a sua caminhada, que chegava ao fim antes de alcançar a linha de chegada.

O Brasil se cobria de luto com um manto de incertezas no campo político.

Poucos dias depois, o ministro Ibrahim Abi-Ackel, sucessor de Petrônio na pasta da Justiça, inaugurava a foto do antecessor na Galeria do Ministério da Justiça com esta frase:

Petrônio foi um sol que parou ao meio-dia.

Este é, em resumo, o brasileiro cujo centenário de nascimento está sendo lembrado agora.

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(*) Jornalista e escritor. Autor dos livros “Petrônio Portella”, publicado pelo Senado Federal, em 2010, como Volume 7 da Coleção Grandes Vultos que Honraram o Senado, e de Petrônio Portella – Uma biografia, editado em 2012. 

Capa do Jornal da República, um dos mais influentes à época.

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